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17
nov

Campinas imperial resiste na metrópole

Matéria publicada no Jornal Correio Popular de 15/11/2015

Por Maria Teresa Costa/ AAN

Casarão da Fazenda Pau d?Alho, em Campinas, onde nasceu Francisco Glicério, um dos principais líderes da República na cidade: memória e patrimônio cultural

Casarão da Fazenda Pau d´Alho, em Campinas, onde nasceu Francisco Glicério, um dos principais líderes da República na cidade: memória e patrimônio cultural.

Foto: Elcio Alves/ AAN

No dia 15 de novembro de 1889, o advogado Pedro de Magalhães, que residia em frente ao Largo Santa Cruz, em Campinas, reuniu os vizinhos na praça e anunciou que o Brasil se tornara República. De lá, foi para a Câmara, que ficava onde hoje está o monumento de Carlos Gomes e, com o grupo de republicanos local, comunicou a toda a cidade que o Império chegara ao fim.

Em 126 anos, a Campinas republicana deu um salto de modernidade e crescimento — saiu dos 33.921 habitantes que tinha em 1889 para 1,16 milhão hoje; surgiram os edifícios, novas ruas e avenidas e a cidade ganhou uma nova configuração urbana. Mas há sobreviventes da Campinas Imperial pelas ruas. Passar por eles hoje, no dia da Proclamação da República, pode ser um bom exercício para imaginar como era a cidade no dia 15 de novembro de 1889.
Um dos imóveis sobreviventes é a casa onde morava Pedro de Magalhães, no Cambuí. Ali funciona hoje o restaurante Bate Papo, em frente à Praça 15 de Novembro (Largo Santa Cruz). A casa era uma espécie de quartel general do movimento republicano. Os que tramavam a queda da monarquia se encontravam ali para analisar a situação política e traçar estratégias de ação. Francisco Glicério, Manuel Ferraz de Campos Salles, Bento Quirino e Antônio Pompeo eram frequentadores assíduos.
Eles também se encontravam no escritório de Magalhães, que ficava na Rua Bernardino de Campos, 965 — e que também existe até hoje. Essa casa, que hoje é ocupada como restaurante, foi escritório de advocacia da família Magalhães até a morte de Ruyrilo Magalhães, em 2003.
A Catedral tinha sido inaugurada seis anos antes do fim do Império, depois de 76 anos em construção. Como ocorria com todas as igrejas, a matriz também era um bem do Império e foi transferida para a Igreja com a proclamação da República, ato que até hoje dá problemas em documentos para comprovar a propriedade do bem.
A prova que a Arquidiocese é a proprietária da Catedral é um documento assinado pelo marechal Floriano Peixoto, primeiro presidente do Brasil republicano. Assim, a igreja não tem o registro de matrícula do imóvel, documento necessário para poder comercializar o potencial construtivo do templo — a lei que instituiu o potencial construtivo exige que esse potencial em metros quadrados seja averbado no registro da matrícula do imóvel.
A Basílica do Carmo, a Igreja São Benedito e a capela Santa Cruz são alguns dos templos que surgiram na Campinas Imperial e sobrevivem até hoje, transformadas em patrimônio cultural da cidade. O Hospital Beneficência Portuguesa, a Casa de Saúde, a Santa Casa, o Solar do Barão de Itapura, o Palácio dos Azulejos, a Delegacia Seccional de Polícia, o Cemitério da Saudade, a Cervejaria Colúmbia e casas que hoje abrigam bares e restaurantes, como o Piola, no Cambuí e o Tonico’s, no Centro, também são sobreviventes.
A Casa Grande e Tulha, construída em 1883, onde viveu o prefeito Antônio da Costa Santos, assassinado em 2002, é outra sobrevivente, bem como o Solar do Barão de Itapura, onde funciona a PUC-Campinas, no Centro. O prédio da antiga Cervejaria Colúmbia também é um sobrevivente e um dos poucos da Campinas Imperial que está abandonado e em péssimo estado de conservação. A Estação Ferroviária também já existia (é de 1872) quando a República foi proclamada.
Há muitas casas de fazendas que foram construídas no período do Império e sobrevivem até hoje, como é o caso das casas-grandes das fazendas Pau d’Alho, Rio das Pedras e Santa Maria — mais de 30 fazendas estão em processo de tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc). Elas são resquícios do ciclo do café, que deu à região de Campinas projeção política e econômica em nível nacional.
A sede da Fazenda Pau d’Alho, por exemplo, de 1880, foi projetada por Ramos de Azevedo — especialistas afirmam que foi a primeira obra dele em Campinas. A casa é parcialmente feita de taipa. Nessa casa nasceu o senador republicano e abolicionista Francisco Glicério, filho do tenente Benedicto de Cerqueira Leite e da descendente de escravos, Maria Zelinda da Conceição.
Testemunha
A Estação de Campinas, inaugurada em 11 de agosto de 1872 e construída seguindo padrões arquitetônicos ingleses do século 19, é testemunha das profundas transformações urbanas que Campinas vivencia nesse período, sobremaneira dos nascentes processos de industrialização e urbanização. Nesse prédio, atualmente, funciona parte da Secretaria Municipal de Cultura.
Em novembro de 1889, Campinas era uma cidade cercada de cultura
Campinas era uma cidade culta na época da Proclamação da República. Muitos liam o escritor francês Émile Zola no original; dois jornais diários circulavam e a cidade já tinha telefone.
Solar Barão de Itapura, onde hoje funciona o prédio central da PUC-Campinas, é de 1883: seu dono foi um dos fazendeiros mais ricos da cidade

Solar Barão de Itapura, onde hoje funciona o prédio central da PUC-Campinas, é de 1883: seu dono foi um dos fazendeiros mais ricos da cidade

No Clube Republicano, ao lado de onde está hoje a Praça Bento Quirino, nomes como Francisco Glicério, Francisco Quirino dos Santos e o futuro presidente Campos Salles discursavam e refletiam o momento político. Proclamada a República, Campinas tratou de afastar para bem longe os traços monarquistas de dentro da cidade, e uma das primeiras medidas foi mudar o nome da ruas.
Foto: Elcio Alves/ AAN
Casa Grande e Tulha, no Proença: famosa por ter sido a casa de Toninho

Casa Grande e Tulha, no Proença: famosa por ter sido a casa de Toninho.

Pesquisa do historiador Américo Baptista Villela feita no Arquivo da Câmara Municipal nas atas das sessões traça um painel de como a cidade foi reescrevendo a história, apagando da memória as presenças indesejáveis e excluindo da história qualquer indício de um passado monarquista ou colonial. Era preciso construir uma nova imagem da Campinas que estava se modernizando.

Até 1864 as ruas tinham nomes de cunho popular referindo a devoção religiosa, o pitoresco e que acabavam sendo oficializadas pela Municipalidade. As igrejas geralmente patrocinavam os nomes, como Rua da Matriz Velha, Rua da Matriz Nova, Rua do Rosário, ou os santos, como Rua São José, São Pedro e São Carlos. Ou, então, expunham o perfil da via, como Rua das Flores (atual José Paulino).
Foto: Elcio Alves/ AAN
Prédio da Beneficência Portuguesa, que já nasceu como hospital: obra começou em 1876 e o prédio chegou a receber as visitas oficiais de D. Pedro II e da Princesa Isabel

Prédio da Beneficência Portuguesa, que já nasceu como hospital: obra começou em 1876 e o prédio chegou a receber as visitas oficiais de D. Pedro II e da Princesa Isabel.

Os republicanos rebatizavam ruas com o nome de seus dirigentes, como Campos Salles e Francisco Glicério, e desagradavam aqueles ligados ao atraso colonial e à monarquia, mudando o Largo Santa Cruz para Praça 15 de Novembro ou a Rua do Imperador para Marechal Deodoro. Segundo o historiador, a proclamação da República significou uma verdadeira transformação da nomenclatura das vias da cidade. “Velhos símbolos da monarquia e da instituição religiosa cederam lugar aos novos símbolos republicanos e do positivismo dos militares republicanos, expresso na bandeira brasileira através do lema ‘ordem e progresso’ e marcados em Campinas desde a criação do Colégio Culto à Ciência”, afirmou.

Alguns sobreviventes da Campinas Imperial

Igreja São Benedito 1881
Casa Grande e Tulha 1830
Beneficência Portuguesa 1876
Santa Casa 1875
Solar Barão de Itapura 1883
Palácio dos Azulejos 1878
Catedral 1883
Casa de Saúde 1886
Cemitério Saudade 1880
Fazenda Rio das Pedras 1885
Piola 1848
Bar Tonico’s 1848
Cervejaria Colúmbia 1873
Fazenda Pau d’Alho 1880
Casa na Rua Antônio Cesarino, esquina com General Osório 1878
Estação Ferroviária Central 1872
Giovannetti V 1870