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24
jun

A Rua não quer apito – Por Sergio Magalhães

 

O General Geisel, respondendo a uma pergunta sobre a sua iniciativa de fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, foi claro: “Reclamam de eu não ter feito um plebiscito. Ia ser dispendioso – e eu não pretendia mudar minha decisão.”

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Nesse depoimento prestado em 1994 a Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, pesquisadores do CPDOC da FGV, o ex-presidente não titubeou em reafirmar a potência discricionária de sua sentença. Simples assim: tinha decidido, não havia por que submeter sua decisão à população.

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Mudou muito o país. Foi-se a ditadura, seis eleições decorreram da edição da Constituição, a economia entrou nos eixos, a população urbana triplicou. Contudo, as decisões referentes às cidades parecem obedecer a uma metodologia ainda daqueles tempos do general.

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Investimentos importantes, de largas consequências para as cidades e os cidadãos, são gestados em gabinetes e impostos como fato consumado. Não se compõem em um quadro de planejamento. Logo, não explicitam critérios, tampouco alternativas; não traduzem prioridades nem se dá transparência às escolhas. São instrumentos de realimentação do poder.

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Sem planejamento, também os projetos são frutos discricionários de “oportunidades”, sejam elas reais ou fictícias, públicas ou privadas.

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Assim se faz Brasil afora, agora apoiado em lei que permite licitar obra a partir do anteprojeto (ou seja, sem definições adequadas), o que implica, por óbvio, em multiplicar os custos e dividir a qualidade. A justificativa é poder atender os cronogramas exigidos pela Copa, mas a medida se aplica a qualquer obra pública.

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Os bilionários estádios, novos ou reformados, estão nesse novo paradigma. As obras são inflacionadas não apenas pela própria inflação, mas, sobretudo, por tais métodos.

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Sem planejamento e sem prioridades transparentes, nossas cidades seguem o rumo da inviabilização, tanto na qualidade do espaço urbano como nos serviços públicos não prestados ou mal prestados. Na mobilidade, o roteiro escrito há décadas, já vencido, constrói uma verdadeira tragédia quotidiana – baseado no rodoviarismo, o transporte coletivo de alto rendimento, sobre trilhos, é desconsiderado. Assim, nas grandes cidades os governos gastam 14 vezes mais recursos para o funcionamento do sistema de transporte individual do que para o de transporte coletivo, como informa o Relatório da ANTP de 2011.

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Nessa prática discricionária não são os interesses do Estado que estão sendo servidos, como se alega; menos ainda o da população. O método de Geisel não nos serve.

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A inflação e a ditadura certamente foram potentes promotoras da degradação da ideia de planejamento no Brasil. Não é razoável que tal consequência ainda persista.

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A ausência de planejamento, a falta de debate e a decisão discricionária são elementos estruturais de um processo predador dos dinheiros públicos, da qualidade urbana, da energia cidadã, da confiança na política e na democracia.

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Ou não estarão as ruas a nos dizer isso?

[spacer size=”20″] [quote style=”2″]Sem planejamento, também os projetos são frutos discricionários de “oportunidades”, sejam elas reais ou fictícias, públicas ou privadas. A justificativa é poder atender os cronogramas exigidos pela Copa, mas se aplica a qualquer obra pública.[/quote] [spacer size=”10″]

Arquiteto Sergio Magalhães - Presidente do IAB Nacional

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Sérgio Magalhães

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Presidente Nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil 

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